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10 de dezembro de 2024 2:08 PM

Novo Ensino Médio: ajustar ou revogar? Entenda em 7 pontos o debate que envolve alunos e MEC

Queixas incluem a redução de disciplinas tradicionais e a falta de formação dos professores. Governo federal e estados se dizem abertos ao diálogo, mas descartam fim do programa.

Foto: FIEC/Marília Camelo

Por: Emily Santos, Fernanda Calgaro e Luiza Tenente, g1

Em seu segundo ano de vigência, o Novo Ensino Médio, que traz mudanças na grade curricular e oferta de disciplinas optativas em todas as escolas do país, tem pontos positivos, de acordo com especialistas, mas também é alvo de críticas por grupos que chegam a defender até a sua revogação.

Escolas sem infraestrutura (salas de aula em número insuficiente, por exemplo), falta de formação adequada dos professores e diminuição da carga horária de disciplinas tradicionais podem, segundo os críticos, ampliar ainda mais a desigualdade no acesso ao ensino superior entre os alunos da rede pública e os da particular.

O Ministério da Educação (MEC) diz que a questão “transcende a simples revogação e passa pelo debate sobre melhoria da qualidade”. A pasta pretende fazer uma “ampla pesquisa com toda a comunidade escolar” para “corrigir distorções”.
O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que representa as redes estaduais, afirma que “aprimoramentos e ajustes” podem e devem ser discutidos, mas que a revogação “não é o caminho para tornar essa etapa mais atrativa ao estudante”.

Alguns estados, como São Paulo, já têm pensado em fazer mudanças. O governo paulista estuda reduzir as opções de formação específica para poder dar mais apoio às escolas.

Entenda debate em 7 pontos:
O que é o Novo Ensino Médio?
Quais são as críticas ao novo modelo?
O que dizem os defensores do Novo Ensino Médio?
Qual a opinião de especialistas?
O que os estudantes acham do novo modelo?
Qual a posição das redes estaduais?
O que diz o MEC?

1 – O que é o Novo Ensino Médio? 
É um novo modelo obrigatório a ser seguido no ensino médio por todas as escolas do país, públicas e privadas.

A lei estipula aumento progressivo da carga horária. Antes, no modelo anterior, eram, no mínimo, 800 horas-aula por ano (total de 2.400 no ensino médio inteiro). No novo modelo, a carga deve chegar a 3.000 horas ao final dos três anos.

Desde 2022, as disciplinas tradicionais passaram a ser agrupadas em áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas).

A partir de 2023, cada estudante passou a poder montar seu próprio ensino médio, escolhendo as áreas (os chamados “itinerários formativos”) nas quais se aprofundará. A intenção é que sejam três anos de estudo com: esses conteúdos eletivos (1.200 horas focadas nos objetivos pessoais e profissionais dos alunos) + a parte fixa (1.800 horas de ciências da natureza, ciências humanas, linguagens e matemática).

Somando, chegamos a 3.000 horas-aula nos três anos. Antes, a lei estipulava uma carga horária mínima de 800 horas-aula por ano (ou seja, um total de 2.400 horas no ensino médio).

Foi criado também o chamado “projeto de vida”: um componente transversal que será oferecido nas escolas para ajudar os jovens a entender suas aspirações.

Cada rede de ensino tem a liberdade de distribuir a carga horária dos itinerários formativos da maneira como julgar ideal: tudo no primeiro ano ou espaçado ao longo dos três anos, por exemplo.

O ensino de língua portuguesa e matemática é obrigatório nos três anos do ensino médio. A lei não estipula um número mínimo de aulas dessas disciplinas por semana. O que importa é que elas estejam sempre presentes na grade.

Sancionado em 2017 no governo Temer, entrou em vigor em 2022 e prevê a implementação gradual até 2024.

Se antes o modelo antigo era visto mais como uma preparação para o ensino superior, agora, a proposta é dar uma formação mais voltada ao mercado de trabalho.

O novo formato irá refletir no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) já a partir de 2024. A prova, que hoje é igual para todo mundo, passará a ter uma etapa específica, conforme o itinerário formativo escolhido pelo candidato.

2 – Quais são as críticas ao novo modelo? 

Entidades estudantis estão entre os principais críticos à reforma do ensino médio. Nas redes sociais, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) está engajada a favor da revogação do modelo e tem cobrado uma reforma do sistema educacional.

Entre os argumentos contrários estão:

Desde o retorno presencial após a pandemia, o programa atravessa diferentes níveis de implementação, variando de estado para estado.

Há escolas públicas sem infraestrutura para manter o novo formato. No novo ensino médio, cada colégio deve escolher, no “cardápio” de itinerários formativos elaborado pela sua rede estadual, no mínimo duas opções para oferecer aos alunos (matemática e linguagens, por exemplo). Com isso, em vez de uma turma grande ter a mesma aula às 8h, como era antes, serão dois grupos menores (um que escolheu matemática, outro que preferiu linguagens). Isso exige que a escola tenha duas salas de aula disponíveis no horário.

O aumento da carga horária, que era de 4 horas diárias e deve chegar a 7 horas por dia (turno integral) em 2024, não é atrativo para alunos mais pobres que precisam trabalhar. Fica mais difícil conciliar a escola com um emprego, o que aumenta o risco de evasão (se um jovem precisar daquele dinheiro, vai abandonar as aulas e focar no trabalho).

As disciplinas clássicas têm menos prioridade na grade com a entrada das novas ofertas. Em alguns casos, estudantes relatam ter ficado com apenas duas aulas na semana de português e matemática.

Alunos de escolas públicas em cidades menores, com menos recursos, vão acabar tendo um “cardápio” de itinerários formativos mais enxuto. Eles podem ser prejudicados em comparação com alunos de escolas privadas ou de municípios maiores.

Estudantes mais pobres podem ser desestimulados de seguir para o ensino superior porque, no novo formato do ensino médio, há disciplinas optativas que são profissionalizantes e que facilitam a entrada precoce do jovem no mercado de trabalho.

Entidades afirmam que a legislação que instituiu o Novo Ensino Médio não foi discutida com todos os setores da educação.

A Ubes cobra a revogação imediata do Novo Ensino Médio e a “construção de uma comissão tripartite, que una sociedade civil, estudantes e governo” para elaborar uma nova lei para regulamentar o ensino médio.

Procurada pela reportagem, a União Nacional dos Estudantes (UNE) afirmou que acompanha a Ubes nas reivindicações.

Em outra frente, o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) montou um abaixo-assinado on-line para coletar apoio a favor da revogação da reforma, que já conta com mais de 96 mil signatários.

3 – O que dizem os defensores do Novo Ensino Médio?

Favoráveis ao novo modelo, o MEC e os governos estaduais argumentam que o objetivo é tornar essa etapa do ensino mais atrativa para os estudantes. Assim como especialistas na área, que concordam com o formato, eles reconhecem, porém, a necessidade de se discutir e fazer ajustes a fim de aprimorar a etapa. Entre os pontos vistos como positivos estão:

Mais tempo em sala de aula: o novo ensino médio propõe ampliar o tempo de aulas diárias, adotando um formato de tempo integral. Até 2024, o dia letivo deve ter 7 horas, chegando a 1.400 horas/ano.

O novo formato também visa formar o aluno em ao menos um curso técnico já nesta etapa educacional, a fim de adiantar a entrada no mercado de trabalho.

A grade curricular é atualizada, mas nenhuma disciplina deve ficar de fora. Então, amplia-se o leque do que é ensinado aos alunos.

Disciplinas optativas podem tornar a etapa mais atrativa para os alunos, o que pode ajudar a combater a evasão escolar, que é maior no ensino médio.

4 – Qual a opinião de especialistas?

O Todos Pela Educação é um dos que entendem que o novo formato aponta para a direção correta, com organização curricular por área do conhecimento e busca da interdisciplinaridade, mas defende a necessidade de ajustes.

A entidade considera positiva “a ideia de uma arquitetura curricular diferente e da expansão da carga horária”, mas vê dois problemas:

“A ausência de coordenação do governo federal nos últimos anos deixou os estados à própria sorte, gerando uma implementação muito heterogênea e, em muitos casos, problemática”.

“Há, sim, problemas nas normativas. Isso precisa ser dito, pois não é apenas um problema de implementação”. Entre as questões apontadas estão não levar em conta o avanço das escolas de tempo integral e a permissão de 20% do conteúdo ser dado à distância.

Outro aspecto central para o Todos é que apenas a mudança no currículo não é suficiente.

Se queremos um ensino médio de fato ressignificado, será preciso abordar outros elementos também, como infraestrutura escolar, dedicação integral do professor a uma única escola, gestão escolar, projeto pedagógico, valorização e formação docente, entre outros.

✏ O Movimento Pela Base ressalta que o modelo tem o objetivo de “garantir uma educação de qualidade, conectada aos desafios de nosso tempo e aos interesses de cada estudante – e, assim, ajudar a reverter os desastrosos números do velho Ensino Médio, como aqueles de evasão e de aprendizagem”.

Alerta, no entanto, ser “imprescindível” fazer “um monitoramento cuidadoso e um diálogo permanente com gestores, professores, estudantes e famílias, que aponte o que está dando certo, assim como as demandas e carências do processo”.

5 – O que os estudantes acham do novo modelo?

Ao mesmo tempo em que veem como positiva a oferta de conteúdos interdisciplinares, alunos que têm aulas no novo formato, de olho nos vestibulares, sentem falta de mais conteúdo nas disciplinas tradicionais.

Em entrevista ao SP2, Gabriel Teixeira Guedes, que estuda em uma escola estadual da capital paulista, conta que tem nove horas de aulas por dia. Uma de suas disciplinas mistura conhecimentos de ciências humanas e exatas, como parte do itinerário formativo “#quemdividemultiplica”.

“Escolhi porque eu gosto bastante de exatas. Mas também fala de sociologia, filosofia que são importantes para o cidadão”, explica.

Já a estudante Sofia Barbosa cursa o itinerário formativo “Corpo, saúde e linguagens”, que mescla conhecimentos de linguagens e ciências da natureza. Ela vai tentar uma vaga no vestibular esse ano, e diz sentir falta de mais conteúdo.

“Ele [o itinerário formativo] tem umas matérias focadas nele junto, só que eu sinto falta de uma matemática pura, básica, básica, básica”, afirma.

A colega dela, Amanda Pereira, de 16 anos, também vai concluir o ensino médio em 2023, mas diz que não chegou a se acostumar com o novo modelo.

“São varias matérias que a gente já tinha focando os temas numa coisa só. Mas ao mesmo tempo, as matérias que saíram um pouco da carga horária fazem um pouco de falta para vestibulares e afins”, diz.

6 – Qual a posição das redes estaduais?

O Consed, conselho que representa todas as secretarias estaduais de educação, ressalta que o Novo Ensino Médio é uma construção coletiva e que os novos currículos foram montados em conjunto pelos técnicos das secretarias, em colaboração com as equipes das escolas, e especialistas de entidades parceiras e sindicatos.

Para a entidade, “não é sensato pensar em descartar todo esse esforço técnico e financeiro despendido pelas redes estaduais ao longo dos últimos anos”.

Destaca que aprimoramentos e ajustes podem e devem ser discutidos, mas que a revogação é “inviável” e, “em nenhum momento, foi considerada pelos gestores estaduais, que são os responsáveis pela etapa de ensino na rede pública”.

7 – O que diz o MEC?

O debate sobre o novo ensino médio “transcende a simples revogação e passa pelo debate sobre melhoria da qualidade, sobre quais são seus elementos problemáticos e quais são os ajustes necessários”.

A posição que o MEC defende é pela “retomada do diálogo democrático sobre o sentido do ensino médio e sobre como podemos, juntos e com a prudência necessária, entregar a melhor escola para a nossa juventude”.

As equipes da pasta já estão planejando uma ampla pesquisa com toda a comunidade escolar para qualificar o debate, corrigir distorções e investir em boas práticas em andamento, com indução e coordenação do MEC para apoiar as redes de ensino.

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