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10 de dezembro de 2024 3:41 PM

Câmara afrouxa regras de combate ao desmatamento na Mata Atlântica

Texto, que vai ao Senado, também posterga prazo para que imóveis rurais não regularizados tenham direito a suspensão de multas por desmatamento

Foto: Sema-MT

Por Elisa Clavery, TV Globo — Brasília

A Câmara dos Deputados modificou e aprovou nesta quinta-feira (30) uma medida provisória, ainda do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que altera a Lei da Mata Atlântica e flexibiliza regras de combate ao desmatamento no bioma.

Segundo ambientalistas, o texto aprovado, na prática, “acaba com a aplicação” da lei. A matéria vai ao Senado.

Inicialmente, a medida provisória editada pelo ex-presidente Bolsonaro tratava apenas da prorrogação para que imóveis rurais aderissem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).

PRA: o programa, previsto no Código Florestal, é uma espécie de compromisso firmado por donos de propriedades rurais para compensarem áreas desmatadas antes de 2008, com a possibilidade de serem anistiados de sanções administrativas, como multa. A prorrogação desse benefício já era criticada por organizações ambientais.

Contudo, o relator da matéria, deputado Sérgio Souza (MDB-PR), ex-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), incluiu novos dispositivos na proposta, entre eles alterações na Lei da Mata Atlântica.

Em linhas gerais, o texto aprovado pelos deputados alterou as regras da Mata Atlântica nos seguintes pontos:

Flexibilizou o desmatamento de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração. A lei atual exige que isso só pode ocorrer quando não existir uma “alternativa técnica e locacional” ao empreendimento. Com a MP aprovada, essa exigência foi retirada.

Acabou com a necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação no estágio médio de regeneração em área urbana, o que hoje é previsto na lei. A supressão da vegetação será feita “exclusivamente” por decisão do órgão ambiental municipal.

Acabou com a exigência de medidas compensatórias para a supressão de vegetação fora das áreas de preservação permanente, em caso de construção de empreendimentos lineares – como linhas de transmissão, sistema de abastecimento público de água e, na avaliação de especialistas, até condomínios e resorts.

Em caso de construção de empreendimentos lineares em áreas de preservação permanente, o texto limita as medidas compensatórias à área equivalente à que foi desmatada.

Acabou com a necessidade de estudo prévio de impacto ambiental e da coleta e transporte de animais silvestres para a implantação de empreendimentos lineares.

Segundo a Diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, a mudança incluída no parecer desta quinta-feira é o “maior jabuti da história”.

“Esfacelaram com a lei da Mata Atlântica”, disse.

“Na prática, essa aprovação recoloca o Brasil na contramão do que o mundo espera . Favorece e amplia o desmatamento, nos afasta dos compromissos internacionais do clima, da água e da biodiversidade”, completou Malu Ribeiro.

O texto também foi criticado por parlamentares.

“Na prática, [as mudanças] inviabilizam a Lei da Mata Atlântica e fazem com que se impossibilite o desmatamento zero, que é o que queremos todos nós. Quer dizer, todos nós que temos compromisso ambiental com uma perspectiva de defesa do meio ambiente e de responsabilidade diante de um planeta que pede socorro”, disse a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS).

Parlamentares do governo foram contrários às mudanças. Diante disso, o relator afirmou que, caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vete as mudanças, “fica o compromisso de manter o veto”.

“Esse foi o acordo para que nós pudéssemos avançar na aprovação desta MP”, afirmou Sérgio Souza.

Outras mudanças

Além das alterações na Lei da Mata Atlântica, o parecer alterou o Código Florestal para postergar o prazo para que imóveis rurais que não estejam regularizados tenham direito a um programa de benefícios, que oferece, entre outras coisas, a suspensão de multas por desmatamento.

O texto estabeleceu duas mudanças principais no Código Florestal:

prorrogou a adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), uma espécie de compromisso firmado por donos de propriedades rurais para se adequarem à lei (veja mais abaixo);

permitiu que mesmo imóveis que não estejam atualmente inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR) tenham direito aos benefícios estipulados no PRA, desde que realizem o registro até o fim de 2023 ou 2024, a depender do tamanho da propriedade (veja mais abaixo).

Programa de Regularização Ambiental

Em linhas gerais, o PRA oferece oportunidades para que donos de propriedades rurais possam resolver passivos ambientais caso se comprometam em restaurar a vegetação nativa desmatada antes de 2008.

Na prática, o programa é uma oportunidade para livrar esses proprietários de sanções administrativas, como multa, pelo desmatamento ocorrido em reservas antes de 2008.

O prazo para adesão ao PRA, antes da medida provisória, era o dia 31 de dezembro de 2022.

Mas medida provisória editada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro estabeleceu um novo prazo para adesão: um ano a partir da data de convocação do órgão ambiental estadual. A proposta de Bolsonaro era postergar por 180 dias, também a partir da convocação.

Ambientalistas afirmam que, da forma como foi redigido, o texto não estabelece um prazo claro para adesão ao PRA, já que não há data para a convocação, que é feita pelos governos estaduais.

Ainda pelo parecer do deputado Souza, enquanto o prazo para a adesão ao PRA não estiver vencido, o dono das terras não poderá ser punido pelas infrações cometidas antes de julho de 2008.

Segundo o Observatório do Código Florestal, essa é a quinta vez que é adiado o prazo para adesão ao PRA.

“[A prorrogação] Envia um comando de que a lei vai ser prorrogada eternamente, que as normas não precisam ser cumpridas. E manda, ainda por cima, uma mensagem para fora do Brasil que nós não vamos parar de adiar nossa lei, não vamos implementar nosso Código Florestal”, explica a Roberta del Giudice, advogada ambientalista do Observatório do Código Florestal.

Cadastro Ambiental Rural

O CAR é um registro obrigatório para os imóveis rurais, que também está previsto no Código Florestal.

O registro contém informações sobre as propriedades para controle e monitoramento e, segundo especialistas, é um mecanismo de combate ao desmatamento.

O problema é que, atualmente, apenas 0,6% dos imóveis têm seus cadastros validados pelos órgãos ambientais, segundo o Instituto Socioambiental (ISA).

Atualmente, a legislação estabelece que apenas imóveis que tenham se registrado no CAR até o fim de 2020 tenham direito a aderir ao Programa de Regularização Ambiental.

Contudo, o relatório de Sérgio Souza prorrogou o prazo para que imóveis interessados em aderirem ao PRA se cadastrem no CAR. Os novos prazos são:

no caso de imóveis com área acima de quatro módulos fiscais, ou seja, maiores, o novo prazo de inscrição no CAR será o dia 31 de dezembro de 2023;
para imóveis menores, de até quatro módulos fiscais, a inscrição tem que ser feita até o dia 31 de dezembro de 2024.

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