Por Suelme Evangelista
O ambiente político nacional, em função da retomada do poder da centro-esquerda com Lula Presidente e o crescimento econômico de Mato Grosso, colocou o tema habitação social de volta no centro das discussões, assim como ocorreu na década de 1980.
Depois do despejo de mais de 600 pessoas nas margens da perimetral denominada Contorno Leste, chamado assentamento Brasil 21 pela polícia essa semana por ordem judicial, o debate voltou à tona nas rodas da política e na mídia em geral.
Cuiabá é uma cidade meio que improvisada no desenvolvimento urbano e diria que quase 60% ou mais de seus chãos urbanos são formados por assentamentos precários, ou por ocupação “desordenada” que o movimento social chama de democratização dos espaços da cidade.
Bairros como Bela Vista, Alvorada, Santa Isabel, Altos da Serra, Liberdade, Jardim Mossoró, Jd. Vitória, Novo Paraíso, Dr. Fábio I e II, Renascer, Jd. União e Jd. Brasil e outros foram conquistados por invasão ou ocupação nas décadas de 70/80 no boom de crescimento de Cuiabá durante os projetos de Integração Nacional.
A capital tem crescido muito populacionalmente nos últimos anos, os atrativos de oportunidades de emprego e de riqueza têm trazido grandes levas de migrantes com o sonho do eldorado.
Passou de 50 mil habitantes em 1960 para 100 mil na década seguinte, depois para 200 mil nos anos 80, 400 mil na década posterior de 90, alcançando atualmente quase 650 mil habitantes pelo último Censo, IBGE, 2022.
Somente em 1992 que a cidade teve seu primeiro Plano Diretor de desenvolvimento urbano e uma Lei de Uso e Ocupação do Solo, definindo áreas de interesse social e comerciais na cidade para basear toda a cobrança de IPTU e das políticas públicas.
Muitos políticos como Dante de Oliveira, Gilson de Barros, Chico Daltro, Serys e Wilson Santos entre outros, consolidaram suas trajetórias tomando cafezinho com esses movimentos e acampando junto suas bandeiras, como fez essa semana os três parlamentares em defesa do assentamento Brasil 21: Barranco do PT, Wilson Santos e Catanni.
Como reação a demanda crescente por moradia, o poder público acenou nas décadas de 70/80 com alguns projetos habitacionais da Cohab, como Morada da Serra com os bairros do CPA I, II, III e IV, Tijucal, Residencial São Carlos, Santa Inês, Cidade Verde, Cohab Nova e loteamento Osmar Cabral e Pedra 90 entre outros.
Esses projetos definiram novos eixos de desenvolvimento na região Sul e Norte da capital, expandindo a área urbana.
Obviamente, quando isso ocorre, o custo de Cuiabá de serviços públicos aumenta consideravelmente: coleta de lixo, segurança, escolas e creches, transporte e coletivo.
Mais recentemente, nos anos 2003-2010, usando os recursos do Fundo de Transporte e Habitação FETHAB, deixado por Dante de Oliveira, Blairo Maggi implantou os projetos habitacionais Morar Melhor e Meu Lar, entregando aproximadamente 19 mil casas no Estado para baixa renda e aproximadamente 4 mil em Cuiabá, a grande maioria desses e residenciais no entorno da Avenida da Torres: bairros como Salvador Costa Marques, Cláudio Belita, Residencial Sucuri, Cláudio Marquetti., Belita e outros.
Certamente, a escolha da localização ao logo da nova Avenida das Torres distensionou e muito os conflitos fundiários no seu entorno e aliviou a barra do então prefeito Wilson Santos que inaugurou avenida.
Pelo Programa Minha Casa Minha Vida MCMV, da mesma época executado pela prefeitura, surgiram outros projetos residenciais: Jamil Brotos Nadaf, Jonas Pinheiro I, II e III, Altos do Parque I e II, Nilce Paes Barreto, Francisca Loureiro Borba, Nico Baracat I, II e III.
O déficit habitacional da capital, segundo o Plano Municipal de Habitação de Interesse Social – PLHIS, que era de 48 mil moradias em 2016, alcança em 2024 de 61 a 71 mil moradias. Esse é o tamanho do problema, da fatura e da pressão social sobre o tema na atualidade.
Nesse momento, por falta de novos projetos habitacionais públicos e pelo alto custo dos aluguéis – um dos mais caros do Brasil -, a cidade vive uma explosão de ocupações/invasões urbanas por todos os lados.
Segundo levantamentos da própria prefeitura, existem umas 15 áreas com assentamentos precários na capital à espera de soluções urbanas e de regularização fundiária: Silvanópolis, Paraisópolis, Salim Nadaf, Monte Sinai, Terra Prometida, Brasil 21, Recanto da Seriema e mais 3 ocupações na Avenida Contorno Leste entre outros.
Enquanto isso, não se constrói casas populares no perfil MCMV, faixa 1, desde o ano de 2015 na capital.
A última entrega de 2 mil imóveis no residencial Nico Baracati construído a partir de 2015, foi entre 2019/2020.
Lá se vão 10 anos sem construir uma nova unidade habitacional de interesse social em Cuiabá.
Não vou entrar no mérito da especulação imobiliária envolvida nesses novos projetos de infraestrutura urbana como Contorno Leste, as manobras de abertura de perímetro urbano por parte da prefeitura no sentido distrito de Sucuri e a força do lobby da indústria imobiliária em Cuiabá, pois será tema de outro artigo.
Contudo, devemos considerar nesse cenário a falta de um planejamento urbano racional por parte da prefeitura que dialogasse com Governo do Estado e sobretudo aumentasse a ocupação populacional dos chamados vazios urbanos e a falta de novos investimentos em habitação de interesse social para baixa renda na capital.
O Instituto de Planejamento Urbano -IPDU que planejava a cidade nos anos 80 foi desmontado e as Secretarias de Desenvolvimento Urbano e de Habitação do município estão altamente aparelhadas politicamente e sem recursos.
Perderam a capacidade de gestão estratégica sobre a cidade, assim como as demais áreas da prefeitura.
Não podemos desconsiderar essa demanda política social por ser uma pauta extremamente importante na agenda eleitoral desse ano.
Quem menosprezar essa pauta da moradia social, pode ser que engolido por ela porque tem uma máxima em política que é de lei: “Quem não pauta é pautado!”
SUELME EVANGELISTA é historiador em Cuiabá